sábado, 13 de dezembro de 2008

Poema de Zara.....e daqui nasce a minha "graça"

. Diz "huma tradiçaõ" que o nome de Abrantes se encontra

ligado à história da moura Záhára. Por boas ou más venturas.

. Ao autor não interessam as crenças, nem as factualidades.

. Os mistérios, sim. Ou a poesia, se quiserem.



. CITAÇÕES do bispo D. Fr. João da Piedade:

- "Hibrahim tinha huma filha donsella mui formosa, e

louçã, e gentil chamada Záhára..."

"... ou porque a belleza de Záhára o coraçaõ lhe ferira,

ou porque ella tinha feiço~es do rosto mui parecidas

com hum retrato da Virgem Nossa Senhora dos

Afflitos, que sua mãi lhe havia dado á hora da morte,

e que elle com muita devoçaõ trasia sempre consigo,

e havendo já per veses sonhado, que ao escalar os muros

de hum Castello, salvaria huma Donsella com cuja ca-

saria, julgou agora ver em Záhára a Virgem dos seus

sonhos".

"... e buscou per todos os meios honrosos ganhar o

coraçaõ de Záhára que ello naõ podia esquecer".



ZARA infere do tempo que aqueceu misturado no delírio real.

A sugestão dum nome no corpo anuncia uma lente que deixa o olhar

tranquilo e luminoso.

Título e memória.



" Le poème n'est pas un mécanisme de mots - il est un organisme ".

PIERRE GARNIER









Z

Nuvens azuis,

rio branco.

Alfabeto de flores

com sol verde pendurado nas janelas.



Raíz de pedra,

torre.

Imagem de quem nasce

no horizonte.



Alguns pássaros,

passos de gente.

Na estrada, pelo tempo,

vento lento, em castelo.



Mais côr leve,

chão de avenca e ázimo coração.



Uma tesoura feita de lâminas e água.




Monumentos de azulejo,

fáceis troncos arvóreos

qual misto de mármore

para o mar correndo.




Quartzo,

cal,

sombra,

sonhos.





Quem diz a ternura dos corpos

diz o inverno, essa mistura

de malvasia e amor,

de soturno jardineiro branco.







É pelas estações que se conhece a idade.



Talvez o rumo da história nascesse

antes de morrer

o que nas ruas tem a fala da memória.





Era um alto átomo, a vida

em canção,

e ouviu-se contar uma lenda,

multiplicada, quando eu passava no jardim.







Falo duma cidade,

antiga caixa de mortos e lêndias.

Hoje interminável

alegria,

glicínias.






Vou dizer que ao longo dos anos

a trovoada nasce

sobre um monte de casas

quando o verão aquece as serras.

Vê-las daqui cheias de chumbo

com riscos de lume na tela

e ah os estrondos

de cair o inferno.

Uma cidade treme por esquecimento

põem-se as luzes por cima das florescências

os homens são do tamanho das portas,

interminável o rio e o seu sopro.




Da areia falo

que no cofre das camionetas

um risco se deixa molhado

de peixes, por nascer, ao longo das estradas.




Antes escrever a palavra largo,

as artérias multiformes, montras,

e o povo porque não

com enxada e enxó.

Explica-se depois o sol.

Havia sempre uma floreira

ao lado duma mesa,

o convento de arcos.





Nesta dança cercada,

- a magia.

Imagem à beira de acontecer

o mistério do céu.





Mas esta cidade

por amor se perdeu, em Zara,

uma mulher.





As ruas nunca abaixo

acima se afirmam;

com gente à vida, nos parapeitos.



Nelas prendo meu acto

e minha âncora,

meu barco Tejo abaixo até ao tempo.






Varanda de ver o infinito,

o passo lento do para lá depois,

uma pausa, uma igreja,

a peleja dos dias intermináveis.





É da colina que eu vejo a cidade

ao subir a serpente.

E como de flores se veste um corpo de terra

resistindo no centro temporável.





Oh que de árvores

oh que já de cimento

ó que sinto

ó o ardor.





Vê-se daqui o sul,

o sol todos os dias ainda quando chove.

Há mártires pelas ruas,

o sossego numa navalha pressentida.





Divido o som duma cidade: entre:

este e este.

E qual deles ganha forma?






Falo-te em sílabas não imagináveis,

soletro o dorso do teu nome e recuso escrevê-lo.

Uma terra começa ao longo duma palavra

e significa.





Volto atrás porque não há árvores,

há corpos;

atrás porque não há nomes,

há sangue.





Vocês sabem os poemas de cor

e a côr,

vocês sabem a coragem,

mas dos nomes das ruas é que eu gosto.





Ó cidade porque te trato

e retrato por tu

em português?





Deixemos que um dia

te cravassem algumas espadas

e gravassem a imagem da tua honra,

deixemos.





Que vem da terra que não seja

quente?

Que vem da chuva senão a terra

molhada

e o seu aroma?



Que mistério renasce no relâmpago?

Que luzes queimam?

Que almas circulam?



- Como os vidros nos colocam contra nós!





Que texto é infindável?

Que vida se cumpre?

Que de teus olhos, cidade,

se viaja para lá entre longe?




Mantenho amar-te no que não sei.




Por vezes saio dentro duma concha

e a pérola

rescende

como se comesse

a primeira palavra do mundo:

os orégãos,

a ostra,

um certo visco branco,

vinho inesquecível

da videira inebriante.





Mais uma vez quanto quente

te exaltas e deitas e estremeces.





A frescura incendeia esta cidade,

o brilho do lume vem do impenetrável

sofrimento,

acresce a água por de debaixo

dum imenso véu de espuma.





Asperge-lhe uma flor,

um grande enorme magma.





Diria que na rua da barca

deste inferno

nasceu uma planta

que guardo dentro da pele.





Que outrora por aqui aconteceu?

Que milhafres?

Que riscos se escrevem hoje

com passos à medida

depois?




Retrato uma inteligência,

o saber do sabor profundo dos perfumes,

a maneira duma rua

como dantes.




Por aqui as pessoas sentam-se à mesa

pedem refrescos,

multiformes santuários,

dançam

no mais dentro labirinto.




Quem escolhe a terra que escolheu?




- a terra, e só!






Nada existe sem um corpo de morte.

Uma toalha branca é este centímetro de cal.



Por isso nos deixamos adormecer

indefinidamente.





Dizia se pudesse um nome.

Escrevê-lo-ía, contornando.

Para voltar.




Mas é a palavra que 'se'

esconde.





Deixei o nome atrás,

a palavra que pego agora,

bem posta, Zara amiga,

no rossio onde cantamos

ao longo dum rio de moínhos.

É quando arreciadas as mulheres

se colocam no alto das antenas

para anunciar

a emissão duma tragédia

(edo, edis, edere, edi, esum).

lépidas, tão sápidas, eloquentes.

O mosto é uma incineração doce,

disse S. Miguel.

Alva, vega uma ave

no espaço do rio interminável.



A batalha de Tramagal

square.




Esqueço nomes por adormecimento,

desfaço-os, refaço-os e desfaleço,

que um texto é uma tarântula minuciosa.

Porém, afago as terras indizíveis

e amo-as certiciturnamente.





Eu disse

o inominado.





Das luzes sei apenas o céu,

um deus de terra longínqua

que cabe na mão da palma dum canteiro,

florescendo.




Quase apetecia escrever:

"A ti Tágide minha...",

mas recuso.



Que "não" nasce numa palavra branca,

correndo?





Todos os anos, pelo menos,

uma criança morre no Tejo

e eu que estive lá

vejo

flores a crescer na areia

e a sua multiplicação

pelos jardins fronteiros

daqueles que um dia

vão ver os filhos morrer no Tejo.



Coisas.




Zara, que hora escolheste

para me escolher?



É de ti que há anos falo

nesta viagem

pelas outras cidades.

Todo o amigo que morre

em ti o enterro

para que floresça.



Onde vais rio que encanta?



Azar nosso, Zara,

se de Ulisses os ouvidos

não tivéssemos.




Acho que as coisas são mais simples e belas

que os poemas,

as pessoas não.

"Acabei de achar uma pedra

para pôr no museu

da imaginação".





Uma cidade nunca deve ser convexa,

côncava talvez,

cavada no mais íntimo da raíz

que um poeta que passa

é de graça, como vês.




Então como vamos de exílio?

E emigração?

E de canção?

Ó Botto da marinhagem!

Ó Camões da abordagem!



Ó O'Neill em que ano

tu estiveste no Pelicano?



Foi?



Ele há coisas, oméssa.



Como se apagaram as luzes. E é noite.



Vestido de pedra, um actor entra em cena,

Ó Taborda arranca-te ao jardim

viaja



Cá estou nas palmas, na (pla)teia de mim,

neste papel, de te fixar até ao infinito



Ouves?

O orfeão?



É assim.




Falava eu, portanto, dos filhos

que morrem no Tejo

e não precisava de ir tão longe

que eles morrem com o motor

da morte natural.





Uma cidade se não tiver

acontecimentos pequenos

não é grande.



Verdade?





Olho o rumor das encostas,

as estrelas que caminham,

o som das fachadas tranquilas.

Olho os desenhos, a fábrica das estrelas,

a miragem concreta dos rostos;

pétalas roxas

no tapete azul da colina de Stº António.

Olho a cruz dos dias

e um "álvares", em ferro, sobre os astros,

perdidamente.

Olho magicamente

o mapa

do teu corpo.

Olho os jardins,

os lírios;

líquidos os teus líquenes,

as amoras.

Olho as casas, as pessoas,

o tempo que as envelhece

e o desconhecimento disso.




Olho já depois de tudo acontecer,

a vida,

a peregrinação.




Olho-te, enlouquecendo.




Abrantes, cidade sem Ribatejo

nem Alentejo,

sem Beira nem eira

Tens um coração

que quer se queira

ou não

Bate

Bate




Baaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaate.

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