quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Principais Fundamentos do Socialismo Marxista

Nesta recensão crítica abordarei os ideais socialistas inerentes à obra Pressupostos do Socialismo e as Tarefas da Social-Democracia no qual se destacam os seguintes capítulos: “Principais Fundamentos do Socialismo Marxista” e o “O Marxismo e a Dialéctica Hegeliana”. O primeiro incide sobre as principais teorias do marxismo e do desenvolvimento capitalista, enquanto que o segundo refere-se essencialmente à concepção marxista e à dialéctica Hegeliana.
Bernstein expõe a sua visão acerca do marxismo, fazendo alguns comentários e realçando os principais elementos constitutivos da teoria marxista: o materialismo histórico, a teoria da mais-valia, a teoria de classes entre burguesia e proletariado e a teoria do modo de produção burguês.
Bernstein como membro dos movimentos dissidentes dos Congressos Internacionais Operários de Londres (1864) e de Paris (1889), propôs a revisão do marxismo. Este ao observar o diálogo entre operários e sindicatos e a evolução do liberalismo, sugeriu o uso de uma via pacífica e democrática para, usando as estruturas da democracia, lentamente alterar a sociedade reformista, para um mundo mais justo. Foi o socialismo revisionista que originou a Social Democracia e o Socialismo Trabalhista.
Este marxista alemão explicita no primeiro capítulo que a social-democracia tem como base a teoria social proposta por Marx e Engels, denominada de socialismo científico. Estes analisaram a história e as leis do capitalismo concluindo que as sociedades eram marcadas pela lutas de classes, de explorados contra os explorados; defendendo, acima de tudo, o conhecimento baseado na experiência. Segundo Bernstein as teorias da experiência não são mutáveis, pois também nos obrigam a fazer remodelações e aperfeiçoamentos, visto que esta é variável e constante.
De seguida, remete-nos para a concepção materialista da história considerando que o materialismo é um calvinismo ateu que nega a ideia de predestinação mas admite que tudo é determinado pela totalidade da matéria, pois esta ao “mover-se” produz as nossas ideias e opções.
Em consequência da abordagem do materialismo histórico, Bernstein apresenta a teoria do Marxismo que se insere nalguns pressupostos tais como, o processo histórico marcado pela dialéctica (isto é, pela sua constante evolução/transformação), onde Marx considerou que era à realidade exterior que cabia o papel essencial e dinâmico das ideias e dos homens.
Para além disso, considerou que entre as realidades exteriores, aquela que detinha o papel primordial era a realidade económica – apelidada de infra-estrutura – porque dela dependia a imediata sobrevivência. Assim, foi à realidade económica que Marx atribuiu o papel de motor da História. De facto, esta determina as relações de produção que, por sua vez, geram as relações sociais específicas e até as relações políticas.
Essas relações sociais, movidas pelos interesses antagónicos que forçosamente se criam entre os que dominam os bens de produção e os mecanismos económicos e aqueles que, não os controlando, se lhes têm de submeter, conferem ao processo histórico a sua dinâmica própria: a dinâmica da luta de classes.
Estes pressupostos, aplicados à leitura da História, conduziram Marx à ideia de que na evolução das sociedades humanas, até à sua época, se podia distinguir uma sucessão de modos de produção: o esclavagismo, em que a produção se apoiava na exploração do trabalho escravo; o feudalismo, no qual se explorava o trabalho produtivo dos servos da gleba; o capitalismo, em que a produção era orientada para o máximo lucro através da exploração da mais-valia do trabalho proletário.
A dinâmica que determinara a evolução destes modos de produção fora a da luta de classes, através da qual uma elite entre os dominados, usando de vários processos, conseguira suplantar a minoria de cima e se impusera como nova elite dominadora.
O ciclo evolutivo da teoria marxista finda com o capitalismo e os seus males, onde Marx preconizou a construção de um novo modo de produção: o comunismo, definido como aquele em que toda a propriedade, privada ou cooperativa, seria abolida e substituída pela propriedade comum de todos os meios de produção, geridos pelo Estado em nome de todos e para todos.
Deste modo, as classes desapareciam, assim como os seus antagonismos, e o Estado, em vez de ocupar-se com o governo das pessoas, passaria a tratar apenas da “administração das coisas”.
Segundo, Engels afirma-se no Anti-Dühring a teoria marxista da luta de classes que se baseava na concepção materialista da História. Bernstein pretende proceder através do seu estudo algumas críticas à teoria marxista, afirmando que não tratou esse assunto duma forma exaustiva, mas sim objectiva, visto que exigia a sua demonstração no seio da classe operária.
Além disso, este marxista alemão acrescenta que a doutrina de Marx detinha insuficiências, apesar de estas poderem ser corrigidas, desde que não tenha nada a perder, mas sim ganhar, logo deveriamo-nos “aperceber que é Marx, ao fim e cabo, que tem razão contra Marx”.
Em relação ao segundo capítulo da sua obra, “O Marxismo e a Dialéctica Hegeliana”, é evidenciada a evolução da doutrina marxista da História (1844-1847), num período em que a Europa se encontrava em grande contestação onde os operários reivindicavam melhores condições de vida.
Nesta época assistia-se na Alemanha a um reforço do liberalismo burguês, manifestado até à influência de Feuerbach e da luta anti-religiosa, considerado na altura um combate político fundamental. Marx e Engels apresentaram uma visão aprofundada do materialismo de Feuerbach, já que este dependia fundamentalmente da ciências naturais.
Assim, retiraram à dialéctica qualquer carácter místico e conceberam a sua teoria do materialismo dialéctico sob a influência da luta de classes, (a burguesia e o proletariado). Em contrapartida, Marx e Engels afirmaram como dialéctica ideal, o seu reflexo no mundo real e na consciência, além de Hegel que distinguiu dois métodos de observação, um metafísico e outro dialéctico.
Bernstein não partilha das ideias de Marx, revelando uma certa surpresa, quando se deixou influenciar pela dialéctica Hegeliana declarada no seu livro O Manifesto Comunista, pois inadvertidamente a Alemanha encontrava-se num estado económico precário, prevendo a Revolução burguesa, em 1847.
No entender de Bernstein, este acontecimento levou-o a deduzir que Marx avaliou a evolução política e social de uma forma abstracta. O marxismo pressupunha a alteração da ordem social e política do seu tempo com base numa revolução que viabilizasse a ascensão ao poder das forças proletárias. Este utopismo depressa esbarrou com um problema básico: a maturidade política do proletariado alemão, o seu insuficiente nível intelectual e o seu baixo nível de instrução. Esta impreparação efectiva do proletariado e este desnivelamento entre a realidade socioeconómica e o idealismo político, consistia, segundo Bernstein, o calcanhar de Aquiles da teoria marxista, que aliás inviabilizaria a sua aplicabilidade na Alemanha.
Dessa fragilidade já se tinha apercebido Engels quando reconhece o erro em que se tinha envolvido com Marx, acerca da evolução da Humanidade, sobretudo nos aspectos relacionados com as origens do Estado, da Propriedade e da Luta de Classes, esses sim os verdadeiros “motores da História”. Daí que Bernstein se aperceba que a simbiose das ideias entre Marx e Engels se aproximava claramente de August Blanqui, sobretudo na concepção dos intervenientes da Revolução, numa evidente alusão à oposição histórica entre o proletariado e a burguesia, sendo o primeiro um produto do segundo mercê das formas de exploração laboral, das mais-valias suscitadas pela transformação industrial e pela acumulação primitiva do capital. Este é, em síntese, o pensamento subjacente ao blanquismo, que se caracteriza no “poder ilimitado da violência revolucionária e do seu corolário: a expropriação” Foi com base nessa concepção de apropriação dos meios de produção que Marx se inspirou para escrever o Manifesto Comunista, que funcionou como uma espécie de despoletador dos movimentos socialistas que se espalharam pela Europa industrializada.
Em todo o caso, o emancipalismo do proletariado suscitado pelo marxismo, teve as suas divergências resultante dos diferentes graus de desenvolvimento socioeconómico e cultural das nações onde despontavam, do que resultariam duas correntes distintas. Uma evidenciava forte inspiração utópica e evolucionista/construtiva, apregoando uma certa passividade, ou seja uma paz social contrária ao feroz revolucionarismo marxista, tendo por objectivo a formação de cooperativas operárias das quais futuramente poderiam emanar organizações sociopolíticas, nomeadamente os partidos trabalhistas ou partidos dos trabalhadores de inspiração socialista. A outra corrente perfilava-se na oposição da primeira, já que se inspira em pressupostos demagógicos, de conspiração do poder não temendo a legalidade dos meios para atingir os fins, não pondo até de parte o terrorismo político através da formação de células revolucionárias e de organizações clandestinas, secretas e à margem da lei, com objectivos de desobediência civil. Foi, em muitos casos, esta a via que vingou e melhores resultados obteve. Na perspectiva de Bernstein o marxismo evoluiu como uma espécie de síntese destas duas correntes, extraindo dos revolucionários a concepção de luta de classes e dos socialistas as noções económicas e sociais que garantam a emancipação dos trabalhadores. É curioso que Engels adoptou primeiramente a corrente revolucionária mas depois optou por uma vertente de síntese socialista, sendo nesse aspecto que Bernstein incide toda a sua análise político-filosófica questionando as razões que terão levado o marxismo a modificar pontualmente as suas formas de actuação política, umas vezes mais revolucionárias e agressivas do que outras mais complacentes e passivas.
Bernstein concluiu que essas são as contradições próprias do dualismo que inspira a própria doutrina marxista, que em boa verdade não ultrapassa o blanquismo, excepto nos métodos a adoptar para atingir os seus fins, que nesse aspecto é mais radical já que preconiza a violência revolucionária como principal meio de assalto ao poder. A síntese, como confluência da dialéctica marxista, preconizada por Engels vai ao ponto de propor a negociação do apoio das massas laboriosas a um partido moderado, ainda que de inspiração burguesa, que aceite a transformação progressiva da organização político-socioeconómica com vista à implantação duma sociedade mais justa e igualitária. Marx aceita que numa primeira fase se negoceie o apoio dos proletários a esse partido burguês moderado, até que numa segunda fase os operários tomem conta do poder.
Bernstein na sua análise às fragilidades e contra-sensos do marxismo insiste na necessidade duma revisão da sua dialéctica, numa alteração na forma de apropriação dos meios de produção e de troca, transformando-os em propriedade do Estado. Acha que Engels levianamente só pensou na tomada do poder descurando as consequências económicas que isso poderá acarretar para a sobrevivência do povo. Por isso Bernstein considera a saúde económica do Estado como um pressuposto fundamental para a evolução social.
Bernstein explicita que o blaquismo do marxismo inclui-se na génese da dialéctica e para além disso reflecte sobre a perspectiva Engeliana, na qual afirma que a tomada revolucionária do poder consiste basicamente na sua produção activa. Este marxista alemão critica habilmente o seu súbito, explorando os aspectos da luta de classes de tal modo que vê a necessidade da existência de uma ruptura com a tradição.
Actualmente, o marxismo perdeu o seu vigor ao nível dos meios intelectuais e políticos, em consequência das críticas e contradições que a própria teoria detinha.

BERNSTEIN, Edouard (1986), “Fundamentos do Socialismo marxista” e “O marxismo e a dialéctica marxiana”, in: Pressupostos do Socialismo e as Tarefas da Social-Democracia, Lisboa: D. Quixote, pp. 47-85

nº 23192 - Zara Vilhena Mesquita

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