quinta-feira, 26 de novembro de 2009

NEUROPSICOLOGIA: Social reasoning, emotion and empathy in frontotemporal dementia

Introdução

Os desvios comportamentais ao nível das competências interpessoais são uma característica das Demências Fronto-temporais, de entre as quais se destacam a desinibição e os défices no reflexo empático. Um ponto-chave referido pelos investigadores coaduna-se com a chamada Teoria da Mente (TOM) que foca a cognição social como uma capacidade de inferir, percepcionar os estados mentais, pensamentos e sentimentos daqueles que nos rodeiam.
Gregory et al. (2002) propuseram que a avaliação do desempenho da tarefa na Teoria da Mente em pacientes com Demência Fronto-temporal pode ser relevante para averiguar a génese das mudanças nas interacções sociais destes doentes, podendo até mesmo diagnostica-la de forma mais fidedigna.
Essa hipótese é suportada por uma investigação onde se comparavam três grupos de pacientes: um apresentava Demência Fronto-Temporal, outro sofria de Alzheimer e um grupo de controlo. Desta investigação, concluiu-se que o grupo de doentes (Demência Fronto-Temporal e Alzheimer) teve um desempenho mais fraco nas tarefas da Teoria da Mente.
Por conseguinte, Gregory et al. sugeriram outra tarefa que envolvia o reconhecimento de emoções complexas, e não de simples estados emocionais. Constatou-se que, o reconhecimento de expressões emocionais em faces e vozes estava afectado nos doentes que sofriam de Demência Fronto-temporal.
Assim, alguns investigadores delinearam uma distinção entre diferentes aspectos da cognição social, particularmente entre a representação de um estado mental e a reprodução de estados emocionais ou a resposta a estes.
Este estudo tinha como principal objectivo formar uma perspectiva em relação aos défices na cognição social em pacientes com Demência Fronto-Temporal, explorando-se a relação existente entre os défices na Teoria da Mente, o processamento de normas sociais, a receptividade emocional, e a capacidade para sentir empatia e raciocinar moralmente.
Os investigadores usaram vários testes para averiguar possíveis associações entre défices sociais e Demências Fronto-Temporais.
A hipótese formulada pelos autores defendia que os pacientes que sofressem de Demência Fronto-Temporal mostrariam défices na Teoria da Mente, no reconhecimento de emoções e também no reflexo empático.

Metodologia

Amostra:

Neste estudo, a amostra era composta por 31 participantes divididos em 2 grupos heterogéneos. Um grupo de pacientes com Demência Fronto-Temporal composto por 18 participantes (16 homens e 2 mulheres), com idades compreendidas entre os 47 e os 74 anos. Um grupo de controlo constituído por 13 sujeitos (9 homens e 4 mulheres), com idades compreendidas entre os 43 e 75 anos. Destes grupos foram obtidos exames neurológicos através de métodos de neuroimagem estruturais (CT ou MRI) em todos os casos para se poderem excluir outras causas de demência.
Neste estudo, foram excluídos os sujeitos que apresentavam queixas em relação à linguagem ou deficiência semântica, pois estes factores poderiam interferir nos resultados da investigação, já que esses mesmos sujeitos iriam demonstrar uma má compreensão daquilo que lhes seria pedido.

Instrumentos:

Na teoria da mente e tarefas de raciocínio social foram avaliados 3 aspectos da cognição social: a capacidade para descrever os estados mentais internos dos outros; a capacidade para avaliar a adequação de certos comportamentos em diferentes contextos sociais e a sensibilidade para regras/normas sociais
Existiam duas tarefas da teoria da mente (Teoria dos Desenhos Mentais; Histórias da Teoria da Mente). A Teoria dos Desenhos Mentais que se constituía por duas séries de cartoons cómicos: uma série de cartoons com interpretação física e outra de explanação com recurso à Teorias da Mente. Nesta tarefa, pressupõe-se que paciente deve explicar o cartoon. As Histórias da Teoria da Mente constituíam-se por 16 histórias: oito das histórias requeriam capacidades intrínsecas à Teoria da Mente e as outras oito histórias exigiam uma explicação física. Os participantes tinham de expor os motivos pelos quais as personagens das histórias se comportavam daquela forma numa determinada situação social.
Para além, das tarefas intrínsecas à Teoria da Mente, existiam as que estavam correlacionadas com as competências sociais, com o reconhecimento de emoções, com os reflexos empáticos e com a capacidade de execução.
Na tarefa de distinção entre o moral e o convencional estabeleceu-se a distinção entre normas morais e convencionais através da exibição ao sujeito de oito cenários contendo transgressões morais e outros oito contendo transgressões convencionais. Nesta tarefa eram apresentadas quatro questões para aceder à distinção entre moral e convencional. Por fim, os pacientes propunham-se a classificar a seriedade da transgressão.
Na tarefa de situações sociais investigava-se a capacidade do paciente para julgar a adequação de certos comportamentos a determinadas situações, para os quais não existem proibições, mas que não são considerados correctos. Apresentavam-se nove histórias, cada uma incorporando comportamentos tanto normativos como transgressivos. Em vários momentos de cada história, era solicitado ao paciente um comentário acerca da adequação do comportamento da personagem à situação.
Na tarefa de processamento de emoções em expressões faciais era pedido o reconhecimento de 6 expressões faciais de emoção: surpresa, felicidade, raiva, aversão, tristeza e medo. Aos participantes eram apresentadas imagens numa sequência que começava numa expressão neutra e acabava na expressão total de uma emoção, de forma a solicitar-lhes a nomeação da emoção alvo o mais depressa possível.
Na avaliação da empatia, foram administradas duas versões do Índice de Reactividade Interpessoal (IRI) a um parente de cada participante doente com Demência Fronto-Temporal. Na primeira versão, era pedido ao parente do paciente para cotar numa escala a intensidade com que cada afirmação se relacionava com o paciente antes do surgimento da doença. Na segunda versão, era repetido o mesmo procedimento. Contudo, desta vez, o parente tinha que cotar as afirmações de acordo com o estado actual do paciente. Desta forma, podiam-se detectar quaisquer mudanças na empatia do paciente.
Nas tarefas frontais/executivas usaram-se os seguintes instrumentos: teste de Hayling e Brixton. No teste de Hayling, os sujeitos tinham que completar várias frases com palavras tanto previsíveis ou não com as mesmas. Ambas as condições se destinavam a medir a iniciativa ou inibição, respectivamente. No teste de Brixton, os sujeitos desempenhariam uma tarefa de detecção de regras espaciais que visa testar a capacidade para descobrir e adaptar-se às regras numa série de estímulos.

Resultados:

De acordo com a investigação, o grupo de doentes com demência Fronto-Temporal teve um desempenho inferior ao do grupo de controlo tanto na tarefa de Hayling como na tarefa de Brixton. Verificou-se uma maior diferença de desempenho entre grupos na tarefa de Hayling, e por conseguinte, a pontuação obtida nesse teste fora usada como co-variável na análise dos resultados.
No que concerne à tarefa dos cartoons, os pacientes com Demência Fronto-Temporal revelaram uma maior dificuldade em relação ao grupo de controlo, principalmente naqueles cartoons relacionados com a Teoria da Mente. Os participantes com pontuações mais baixas no teste de Hayling tiveram também um pior desempenho na tarefa dos cartoons, verificando-se uma relação significativa entre os resultados obtidos nestas duas tarefas. Contudo, esta correspondência dizia apenas respeito à capacidade de processar os cartoons e não aos processos específicos envolvidos na representação dos estados emocionais dos outros. A análise dos resultados do teste de Brixton usada como co-variável mostrou resultados idênticos.
Nas histórias da Teoria da Mente, não existiram diferenças significativas entre os grupos. Porém, tanto o teste de Hayling como o de Brixton possuíam uma forte correlação com o desempenho dos pacientes com Demência Fronto-Temporal na compreensão das questões na tarefa. Mais uma vez, os participantes com pontuações mais baixas nesses dois testes (Hayling e Brixton) apresentaram um pior desempenho na tarefa das histórias.
Nas tarefas da distinção entre moral e convencional não existiram diferenças significativas entre grupos. Contudo, existia um efeito significativo nos resultados relativamente ao tipo de transgressão: as transgressões morais eram julgadas como menos permissíveis do que as convencionais, isto no grupo de controlo, já que estes dois conceitos apenas forma analisados em termos de permissividade. No julgamento quanto à seriedade, as transgressões morais foram julgadas mais graves que as convencionais, também presentes no grupo de controlo. Observou-se ainda uma interacção significativa entre os resultados das co-variáveis no teste de Hayling e Brixton e o tipo de transgressão cometida.
Na tarefa das Situações Sociais, os resultados demonstraram que os pacientes com Demência Fronto-Temporal estão significativamente menos aptos a identificar as violações das normas do que o grupo de controlo.
Na tarefa do reconhecimento das emoções nas expressões faciais, não se encontraram resultados significativos. Apesar disso, os pacientes com Demência Fronto-Temporal mostraram alguns problemas no que se refere ao reconhecimento de emoções, tais como reconhecimento de expressões faciais de raiva e aversão.
Por último, na tarefa de Índice de Reactividade Interpessoal (IRI), os resultados indicaram um decréscimo significativo na avaliação do interesse empático e na tomada de perspectiva, ao longo do tempo.

Discussão:

Neste estudo, foram confirmados os resultados obtidos em investigações anteriores, já que foi demonstrado que existe nos pacientes com Demência Fronto-Temporal desempenho deficitário nas tarefas da Teoria da Mente. Estes pacientes, também revelaram défices noutros aspectos da cognição social, tais como no raciocínio moral, no processamento de emoções e na empatia. É importante referenciar que estes doentes demonstravam incapacidade para integrar o conhecimento social com as suas conotações afectivas (nos resultados do raciocínio moral e convencional) e revelavam alterações empáticas em relação às avaliações efectuadas pelos parentes no IRI (empatia).
Os investigadores usaram a pontuação da tarefa de Hayling como co-variável, já que a mesma tarefa revelava uma maior diferença entre grupos, inferindo-se até mesmo que a função executiva mediava o desempenho nas tarefas da Teoria da Mente.
Segundo as conclusões deste estudo, os pacientes apresentavam dificuldades na tarefa moral/convencional e nas situações sociais.
Nos pacientes com Demência Fronto-Temporal as normas sociais do comportamento estavam intactas. Contudo, mostraram dificuldades na capacidade para detectar violações dessas normas devido ao seu raciocínio moral irregular assim como na representação dos estados mentais dos outros e na sua correspondência emocional.
Estes doentes também apresentavam dificuldades no processamento de emoções e reconhecimento de emoções em expressões faciais, principalmente raiva e aversão para além das dificuldades na interacção social devido a uma incapacidade para perceber os estados mentais alheios e também devido à sua inaptidão em moldarem as suas interacções sociais através de deixas não verbais e emocionais.
Por último, é importante referir que estes doentes apresentam empatia reduzida, demonstrada através da quase inexistência de interesse empático e tomada de consciência em relação à fase pré-morbida (cotações dadas por parentes).
Torna-se pertinente referir que os resultados dos testes da Teoria Mental, da Regulação Emocional, do Julgamento de Normas Sociais e da Empatia evidenciam um distúrbio a nível do comportamento social nestes pacientes. Estes testes poderão ser mais sensíveis aos danos causados pela Demência do que outros tipos de teste, tal como as baterias de testes neuropsicológicos.
Como limitações ao estudo, pressupõe-se que não existiram técnicas de imagem, logo não foi possível associar directamente uma determinada área cerebral à cognição social alterada destes pacientes. No entanto, estudos efectuados anteriormente associam as capacidades sociais às áreas frontais (áreas afectadas nos pacientes com Demência Fronto-Temporal). Outra limitação impõe-se no facto dos investigadores não utilizarem na sua amostra pacientes que sofriam de outro tipo de Demência, pois teria sido pertinente averiguar se as dificuldades referidas são exclusivamente típicas da Demência Fronto-temporal.
Em futuras investigações, deveriam incluir-se na amostra doentes com outro tipo de Demência, para além de tentar replicar a dinâmica real implícita nas interacções sociais, experimentando métodos de testagem mais “ecológicos” que deveriam ter como fim a variação paramétrica de aspectos da Teoria da Mente numa tentativa de compreender melhor esta capacidade. Para além destas, também em futuras investigações há que tentar incluir uma ampla série de medidas das funções executivas com o objectivo de caracterizar melhor a natureza deste défice no funcionamento social assim como, evidenciar correlações com atrofias cerebrais de certas áreas iria validar as bases neuronais da cognição social.

Bibliografia:

Lough, S., Kipps, C.M., Treise C., Watson, P., Blair, J.M. & Hodges, J. R. (2006). Social reasoning, emotion and empathy in frontotemporal dementia. Neuropsychologia 44, 950-958.

nº23192 - Zara Vilhena Mesquita

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