“A ciência moderna conseguiu apenas emergir na efervescência cultural do Renascimento, e desde então associa-se progressivamente à técnica, tornando-se “tecnociência” e introduzindo-se progressivamente no seio das universidades (...), transformando-se e deixando-se transformar (...). A sua realidade é multidimensional. Assim, a ciência é intrínseca, histórica, sociológica e eticamente complexa. É de esperar que as transformações que começaram a fazer ruir a concepção clássica da ciência vão continuar a sofrer uma verdadeira metamorfose” [Morin, 1982] .
O modelo de racionalidade presente na ciência moderna constitui-se a partir da revolução científica do século XVI, tendo conhecido um abrupto desenvolvimento no domínio das ciências naturais. Este modelo global de racionalidade científica admite uma variedade interna que se distingue de duas formas do conhecimento não científico: o senso comum e os estudos humanísticos.
A nova racionalidade científica é um modelo totalitário que nega o carácter racional ao conhecimento não epistemológico. Esta característica simboliza a ruptura do novo paradigma científico com os que o precederam. O exemplo deste novo modelo de racionalidade apresenta-se na teoria heliocêntrica do movimento dos planetas de Copérnico, nas leis de Kepler sobre as órbitas dos planetas, nas leis de Galileu sobre a queda dos corpos, na grande síntese de ordem cósmica de Newton e na consciência filosófica que lhe conferem Bacon e Descartes.
Ao contrário da ciência aristotélica, a ciência moderna desconfia das evidências da nossa experiência imediata, que estão na base do conhecimento vulgar. A ciência moderna considera total a separação entre a natureza e o ser humano. A Natureza é só extensão e movimento: é passiva, eterna e reversível, mecanismo perante o qual os elementos se dissociam e, posteriormente se interrelacionam sob a forma de leis. A ciência moderna não tem qualquer outra qualidade ou dignidade que nos impeça desvendar os seus mistérios, já que visa conhecer a natureza para a dominar e controlar.
Para Bacon, a ciência fará da pessoa humana o “Senhor e o possuidor da natureza” e na linha de pensamento de Galileu e Einstein, o livro da natureza está inscrito em caracteres geométricos. Nesta medida verifica-se na ciência moderna uma predilecção pela matemática, onde conhecer significa quantificar e o que não é quantificável é significativamente irrelevante. Outra das consequências da centralização da matemática infere-se no método científico, que assenta na redução da complexidade, já que o mundo é complicado e a mente não o pode compreender totalmente. Conhecer significa dividir e classificar de modo a poder determinar relações sistemáticas.
A Natureza teórica do conhecimento científico decorre dos pressupostos epistemológicos e das regras metodológicas que formulam as leis. As leis enquanto categorias de inteligibilidade, repousam num conceito de causalidade predisposto pela física aristotélica. Aristóteles distinguia quatro tipos de causa: material, formal, eficiente e final. As leis da ciência moderna são um tipo de causa formal que privilegia o funcionamento das coisas em detrimento da sua finalidade. Por meio desta via, o conhecimento científico rompe com o conhecimento do senso comum.
No chamado senso comum e no conhecimento prático, a causa e a intenção convivem sem problemas, perante isto, na ciência a determinação da causa formal obtém-se com a expulsão da intenção. Este tipo de causa formal permite prever e intervir no real e, deste modo a ciência moderna soluciona os fundamentos do seu rigor e da sua verdade com o conjunto dos êxitos na transformação do real. Um conhecimento baseado na formulação de leis tem como pressuposto metateórico a ideia de ordem e de estabilidade do mundo, redimindo-se à concepção de que o passado se repete no futuro.
Como foi referido anteriormente, a chamada racionalidade moderna insurge com Galileu e Descartes. Galileu foi considerado o pai da Física Clássica enquanto que Descartes se propunha como pai da Filosofia Moderna. Assim, denota-se que a revolução galilaica está na origem de toda a ciência moderna, já que a mesma impera na própria emancipação da ciência.
Galileu instaurou o intitulado paradigma científico, por outro lado, Descartes aperfeiçou o paradigma mecanicista de alguma forma desvinculado, e não podemos deixar de reconhecer que este racionalista representa o repensamento metafísico de toda a revolução científica que o antecedeu e de que ainda é contemporâneo. No sistema cartesiano impõe-se uma ruptura entre o homem e a natureza, e ao reduzir a natureza à matéria-prima sobre a qual o homem soberano inscreve o sentido histórico do processo de desenvolvimento da ciência moderna, provoca uma ruptura ontológica entre o homem e a natureza, na base da qual se constituem a ruptura entre o sujeito e objecto do conhecimento. Ao introduzir uma ruptura entre o homem e a natureza, o pensamento cartesiano introduz ainda uma outra ruptura dentro do próprio homem.
Na necessidade de regressar ao pensamento de Galileu e Descartes radica uma prioridade em voltar a estudar os pensadores anteriores e os pensamentos a partir dos quais instauram a sua ruptura. O homem Renascentista do século XVI participava em comunhão com a natureza, interpretando-a à sua imagem, a partir de em paradigma animista. Esta suposição não deixa de ser um obstáculo à plena realização do seu domínio, à concretização final do poder que magicamente o atraía e o fascinava. Assim, seria necessário desumanizar a natureza e ao mesmo tempo desnaturalizar o homem e, por conseguinte, tornar-se-ia relutante destruir a noção de cosmos com todas as implicações e substitui-la por uma realidade transparente a uma outra lógica, inteiramente humana (a lógica da razão matemática e quantificadora).
Ao nível da definição das racionalidades, uma das grandes rupturas operadas entre o século XVI e o século XVII, de que Galileu e Descartes são os grandes obreiros, reside na passagem de uma razão estética para uma razão técnica, na passagem de uma percepção do mundo para uma racionalização maquinal do mesmo mundo, do homem e da própria razão.
Os principais representantes da Ciência Renascentista e mecanicista (séculos XVI a XVII) foram Copérnico, Galileu, Kepler, Newton e Descartes, e todos eles comungavam dos mesmos princípios. Assim, recorriam a procedimentos rigorosos, passando da “Theoria” à “Praxis”, tendo a capacidade de percepcionar através dos sentidos. A ciência implica a construção de instrumentos, partindo da chamada instrumentalização da observação, de forma a construir o cenário ou o laboratório para observar a realidade natural. Na ciência Renascentista ou mecanicista demarcam-se o experiencialismo e a quantificação da realidade através de metodologias experimentais, sendo necessário racionalizar e relacionar causas buscando hipóteses explicativas.
Dissertando Edgar Morin, o determinismo mecanicista é o horizonte de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional, reconhecido pela capacidade de o dominar e transformar.
Na panorâmica da ciência, deduz-se que a mesma não é acumulativa, dado que nenhuma época conserva todas as verdades descobertas ao longo da História, produzindo-se, por si só, as revoluções, mudanças bruscas do modelo teórico e da concepção do mundo que se mantiveram durante um determinado período.
As concepções do mundo, anteriormente referidas integram-se nos chamados paradigmas, que incluem teorias metodológicas, técnicas, crenças gerais acerca do mundo e conjunto de problemas científicos. A época dominada por um paradigma é o “Período da Ciência Normal” caracterizado pela confiança absoluta dos cientistas no seu paradigma. Nestas épocas, os cientistas dedicam-se à resolução de problemas rotineiros conforme os ditames da sua teoria.
Segundo Kuhn, não é tanto à lógica que cabe estudar a decisão de escolha de um paradigma, mas mais à psicologia ou à sociologia. A ciência não visa um fim pré-estabelecido e para Kuhn, não tem sentido afirmar que a ciência progride, pois o progresso é visto como uma aproximação contínua à verdade e deste modo, o desenvolvimento da ciência não é teleológico. A negação do progresso como aproximação à verdade levou a que acusassem o pensamento de Kuhn não só de relativismo mas também de irracionalismo.
A palavra “ciência” tem sofrido diversas interpretações ao longo dos séculos. No decurso do tempo, o Homem tem procurado conhecer o inacessível mistério do Mundo e de si mesmo. Cego, indo de encontro das “coisas”, o Homem experimenta e erra; aventura-se e formula hipóteses; abstrai e, lentamente, vai construindo partes que o levam do conhecido para o desconhecido. De descoberta em descoberta, de invenção em invenção, inserido e controlado por todas as circunstâncias, sociais, políticas, éticas e económicas, as estruturas do conhecimento, do saber, vão-se multiplicando e complexificando. A ciência vai-se adaptando e evoluindo numa linha temporal.
As componentes teóricas necessárias à ciência, vão-se construindo. Nesse mundo dualista, “res extensa” e “res cogita”, a ciência vai-se precisando e dividindo, distinguindo-se de outras actividades, pelo reforço da razão, da lógica e da experiência. Assim sendo, introduz-se o método, “claro e evidente”. Através da ciência, o conhecimento vai centrando-se nos fenómenos, “coisifica-se” e admite como único conhecimento o Empírico-Experimental.
O método experimental contém problemas cruciais na sua construção, como sejam o da indução, o da demarcação (cujo critério é o da falsificabilidade), bem como problemas de empirismo, de objectividade científica e de comunicação subjectiva, como diz Popper. O conhecimento científico releva de partes do conhecimento do senso comum, ao qual atribui um método e uma terminologia.
nº 23192 - Zara Vilhena Mesquita
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Um comentário:
Dissertando Morin leia-se Boaventura de Souza Santos Um discurso sobre as ciências, p.17
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