Gusdorf, Georges (1979), Mythe et Métaphysique, in TPU 3, M.E., Lisboa, pp. 65-67
Georges Gusdorf tentou, em primeiro lugar, reabilitar a mitologia que é, para ele, “uma primeira metafísica”. Vê na consciência mítica “um enriquecimento e um alargamento da razão”. Para este filósofo, trata-se, não de perder a razão, mas de a salvar regressando ao “homem integral”, realizando “a promoção do instinto a espiritual”. Um tal projecto separa radicalmente Georges Gusdorf do racionalismo e do intelectualismo e, não deixa criticar severamente essas correntes filosóficas às quais censura “desencarnarem a pessoa”. Georges Gusdorf esboça um regresso aos mitos que têm, segundo ele, a vantagem de enunciar a matéria da realidade humana e de desenvolver os valores no estado selvagem.
O papel da filosofia é, pois, o de retomar os mitos para operar uma purificação e uma discriminação. Há mitos de ascensão e de queda, de humano e de inumano. A razão concreta deve-lhes fazer o inventário, descobrir a sua intenção perfeita, autenticar os valores de que são portadores e fazer, assim, passar o homem da natureza à cultura. Para Georges Gusdorf uma morfologia ou uma tipologia dos mitos seria uma introdução ao conhecimento do homem concreto. Gusdorf como filósofo considera que o homem deve assumir constantemente a sua própria liberdade expondo-a a todos os riscos da existência.
Georges Gusdorf reflecte no presente ensaio acerca da necessidade de criação de uma atitude monística face ao mito, não descurando a pré-existência de um pluralismo das ordens de inteligibilidade. Deste modo, “a perda do lugar ontológico, garantido pelo mito e destruído pela razão, é sentida como uma transgressão, geradora de insegurança e de angústia” [Gusdorf, 1979: 65]. Esta abordagem debruça-se sobre o sentimento de transgressão que corresponde, como já foi referido anteriormente “à ruptura que se dá entre a natureza e a cultura” [Gusdorf, 1979: 65], procurando o justo meio entre as duas concepções alienantes que dominam o novo estatuto da condição humana perante a consciência moral e consciência religiosa. Nesta base, a chamada consciência reflexiva distanciou-se em relação à natureza.
Por outro lado, surge o saber como uma tentativa de reintegração, com o intuito de reencontrar um equilíbrio ontológico. Por sua vez, o mito incita uma implicação, tornando a consciência reflexiva como regime de separação e de oposição. O homem “descobre a autonomia do seu pensamento e do seu próprio ser” e, em oposição, “o próprio corpo humano é separado do pensamento e situado no universo das coisas” [Gusdorf, 1979: 65].
A questão fundamental de Gusdorf incide sobre o dualismo existente entre a ciência e a religião, que chegam mesmo a delinear uma especialização do sagrado e do profano. Nesta linha de pensamento, impõe-se uma realidade entre a transcendência do objecto puro e a da divindade. Por conseguinte, o homem presta “vassalagem” à natureza e a Deus, sendo o conhecimento consagrado pela possessividade.
O autor identifica o espírito que torna inteligíveis as coisas e o próprio Deus, consolidando a permanência do Homem. Esta postura assumida por Gusdorf, introduz dois conceitos paralelos a razão teórica e a razão prática como forma de aplicar o saber adquirido.
Dissertando a afirmação “O pluralismo das ordens de inteligibilidade substitui o monismo do mito” [Gusdorf, 1979: 66], constata-se que o mito era uma inteligibilidade dada e o saber implica uma inteligibilidade procurada. Gusdorf admite estas inteligibilidades como algo que padece ser uma funcionalidade da Razão, e por último, denota-se a importância da unificação da dita Razão. O mito, segundo este filósofo, introduz o pensamento como “uma espécie de sustentáculo do género da vida” [Gusdorf, 1979: 66]. O Mito afasta-se do Real para melhor o dominar, dando lugar à Razão, afirma Gusdorf.
Nesta encruzilhada, Gusdorf sustenta que o mundo da verdade corresponde ao mundo concreto. “As estruturas do pensamento e da acção ordenam-se em relação a estruturas de estruturas, cujo conjunto desenha as configurações do universo do discurso” [Gusdorf, 1979: 67] e, perante este dado adquirido, a autoridade da Razão coloca de parte as afirmações erróneas das sensações e do senso comum.
nº23192 - Zara Vilhena Mesquita
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