quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Excerto da Obra: Goste de Si de Luis Martins Simões

"Gostar implica um sentimento por uma pessoa ou uma coisa, um sentimento que desencadeia uma emoção positiva mais ou menos doce consoante o modo de gostar. Gostar pode ser com paixão ou não. Gostar é um sentimento de que desfrutamos em contacto com alguém ou alguma coisa.
Amar tem um sentido bem mais lato. Eu posso gostar de mim e talvez não me esteja a Amar. Mas posso não gostar de alguém e ainda assim Amá-lo. Como também posso gostar de alguém e não o Amar. Amar não é gostar. Amar é olhar para o outro e aceitá-lo exactamente como ele é, nas suas fragilidades e nas suas forças. Não é preciso gostar do outro para o poder Amar. Amar é aceitar.
Amar-se é aceitar-se. Amar outros é aceitá-los.
Amar é aceitar. Gostar é um sentimento.
Se eu gosto de alguém mas não o Amo, não lhe aceito todas as suas fraquezas, os seus momentos de desequilibrio, as suas violências. É uma paixão forte, mas que se irá esvaziando no seu amor e, provavelmente, virei a sentir-me, com o tempo, cada vez mais apegado e dependente dessa pessoa, por falta de Amor.
A paixão só durará o tempo da paixão. O Amor durará o tempo do Amor, que é eterno e permanente."

O amor é algo de sublime que não nos deixa julgar os outros, apenas nos faz aceitá-los na sua plenitude. As fraquezas, os desequilibrios, as violências, os medos, as virtudes do Ser Humano que amamos, seja ele qual for, serão aceites por nós. Quando amamos esquecemos até que existem limites. Gostar de alguém não implica amar assim como amar não implica gostar. Amar redime-se no aceitar do outro tal como ele é, sem questionar o porquê das suas atitudes. Amar pode significar sofrimento mesmo quando somos aceites pelos outros, mesmo quando amamos arduamente e alguém partilha connosco os mesmos sentimentos.
A paixão, por seu turno, cria dependência, provoca embriaguês, alucinações estonteantes, não nos deixa respirar e limita a nossa liberdade. A paixão desvanece-se por falta de amor.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Excerto da Obra: Doença mental, contra o preconceito para prevenir a exclusão

"Bem...o meu caderno mais parece um livro! E eu fico mais doente só de ler! Quando tento encaixar-me num qualquer tipo de perturbação da personalidade percebo que tenho muito de quase todas elas e concordo com o médico: devo estar mesmo muito doente. Nunca tinha percebido que os meus comportamentos eram resultado de uma doença mental. Nunca imaginei ser capaz de me rever nas páginas dos livros....nem que conseguia ler livros destes!
Concordo com o médico noutra coisa: tenho andado a desperdiçar a minha vida. Mas não sei como mudar...
Sinto-me perdido e confuso. Como se tivesse acabado de nascer e estes fossem os primeiros dias da minha vida. Como se não tivesse tido vida até agora....Os técnicos dizem que é possivel ajudar-me a estabelecer objectivos de vida e a conseguir atingi-los, desde que eu colabore e também o queira.
Os meus pais têm vindo visitar-me. Não param de me dizer como gostam de mim e o muito que desejam que eu consiga fazer algo de bom com a minha vida. Tenho a sorte de ainda os ter do meu lado. Ainda bem que não estão muito zangados com as patifarias que lhes fiz. Dizem que quando for para casa vão ajudar-me e manter-me no caminho certo e que tudo farão para me apoiar e compreender. Percebo que, afinal, são uns tipos simpáticos!"

É bom relembrar que a estabilidade emocional de um doente só depende de si próprio ainda que todos os que o rodeiam marquem um papel fundamental na sua recuperação. Torna-se importante que o doente reconheça os seus sintomas, os seus problemas e que sobretudo abra um caminho de esperança onde todos os técnicos, familiares e demais envolventes possam sobretudo ajudar e pacificar todo o sofrimento de uma vida.
O perdão deve coexistir sempre na linha de base de quem sofre de algum tipo de distúrbio emocional. A compreensão dos outros torna-se fulcral no bem-estar do doente. Quando se sofre deambula-se por caminhos incoerentes e constroem-se atitudes muito dispares, por isso é importante saber perdoar, saber agir e mais do que tudo saber compreender os que sofrem muitas vezes sem causas aparentes.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Filme: "O Quarto do Filho"




"Giovanni, a sua mulher Paola, e os dois filhos adolescentes, Irene e Andrea, vivem uma pacata existência numa pequena cidade no Norte de Itália. No consultório, anexo à casa da família, Giovanni, psicanalista, recebe os seus pacientes, que lhe confiam as suas neuroses. Num domingo de manhã, Giovanni recebe um telefonema de um doente que precisa de o ver com urgência. Giovanni tem assim que cancelar a corrida que tinha programado com o filho, Andrea. O rapaz vai então mergulhar com os amigos...mas não volta."

Adiar uns minutos, umas horas com a familia, é como que adiar uma vida eterna de bons momentos. Por uma mudança de planos poder-se-á perder tudo o que se havia sonhado. Hoje em dia, as familias, os pais colocam o trabalho à frente da educação dos filhos. Ignoram a importância dos gestos de afecto, de carinho, dos momentos bem vividos em busca de alcançarem o sucesso profissional. E agora pergunto? De que lhes serve o sucesso...se podem perder o bem mais precioso das suas vidas...um ser humano que por acaso é seu filho.
Hoje em dia são raras as familias que vivem ou melhor convivem, compartilham, são raros os que se amam verdadeiramente.
E a questão ainda vai mais longe, se as familias são destruturadas como poderão haver amizades puras, univocas, sinceras, leais, compreensivas....Não sei talvez isso seja raro de encontrar.....Os valores perderam-se num mundo em que a hipocrisia persiste em caminhar.

O filme "O quarto do filho" é absorvente. Nele está patente a forma como as familias cuidam dos seus filhos, como são capazes de abandonar planos de um Domingo para ajudar outras pessoas.
Hoje em dia, vive-se em função de objectivos profissionais e caminha-se em torno de simples palavras como a ingratidão, a solidão, o desespero e a revolta.
Actualmente, só se dá valor às pessoas quando as perdemos.

by Zara Mesquita

2ª Critica cinematográfica

A VIDA É BELA, MAS...

A imagem de Andrea, camisola de fato de treino vermelha, correndo ao lado de Giovani, o pai, percorre todo o filme, conduzindo emocionalmente o espectador desde o “trailer” de promoção. Mas aquela corrida matinal não existiu verdadeiramente, Andrea já não pôde fazer aquele percurso com o pai. Na pequena cidade costeira do norte de Itália, onde todos se conhecem, ninguém mais poderá reconhecer aqueles dois naquele percurso e ele apenas existe na construção imaginária e delirante de um pai que desejaria ardentemente voltar atrás no tempo. De um pai que sofre com a impotência derivada da impossibilidade de alterar o passado, que se revolta com as explicações de fé dogmática sobre poderes de exclusividade divina, de um pai que mergulha em rituais de autoflagelação como estranho sedativo para a culpa que lhe queima o peito. Giovani bem pode olhar o caixão contendo o corpo sem vida do filho Andrea a ser lacrado e aparafusado, bem pode deixar-se asperamente sacudir num daqueles aparelhos de feira destinados a masoquistas, bem pode continuar a dialogar surdamente com o filho desaparecido, mas, o que o reputado e experiente psicanalista não consegue para si mesmo é a redenção emocional que a tragédia nele provocou.

Antes era apenas o norte de Itália, o beijo gelado das águas do Adriático, a cidade de Ancona. Era também a meticulosa construção narrativa, a antecipação, a errónea criação de expectativas para a tragédia, a estruturação dramática a requerer desenvolvimento. Duas vertentes foram privilegiadas antes do período de crise sobre o qual se constrói este filme tão simples de processos, mas tão intenso na ambiguidade de sentimentos que um determinado grave acontecimento pode proporcionar. De um lado a família feliz, Giovani, o pai e marido devoto, a mulher Paola e os dois filhos. Ele, Andrea, ela, Irene. Do outro lado o profissional competente e sereno numa actividade complexa, a psicanálise. De um e de outro lado, em conjunto, os pequenos problemas inerentes a cada uma das vertentes da vida, os prazeres normais que esta igualmente encerra. Até que numa manhã daquele que parecia vir a ser apenas mais um fim-de-semana, Giovani é obrigado a abdicar do “jogging” com o filho por motivo de uma chamada de um dos seus pacientes. E Andrea vai mergulhar com os amigos, vai mergulhar na embolia cerebral que o levará à morte, não haveria mais oportunidades para o “jogging” dos dois. Com a morte de um dos seus, a família inicia entre si um processo de desagregação. Enquanto Paola sofre a perda de modo consciente de que existira ali um fim, Giovani não supera o sucedido, não suporta a sua ausência forçada naquela manhã. Entre a dor de um e a revolta de outro, Irene, a outra filha, deriva até que igualmente naufraga.

«O Quarto do Filho» é um filme sobre a mais dolorosa das atrocidades para um pai (e mãe, obviamente), a perda de um filho. No entanto, e ainda que trate de um tema tão difícil e cuja essência dramática com facilidade poderia despertar a fácil emocionalidade no espectador, Moretti consegue fugir brilhantemente a essa vertente de menoridade cinematográfica por via de um claro distanciamento dos tão batidos estereótipos concepcionais do género. Como o próprio terá algures afirmado, longe dos seus habituais tiques e obsessões e na posse de uma acentuada maturidade, o realizador constrói uma atmosfera densa mas brutalmente real (com destaque para a cena do fecho da urna, de extremada potência em termos de choque emocional) e, evitando moralismos inconsequentes, o filme termina até de forma brilhante nunca mostrando a superação do drama familiar (superação de impossibilidade acentuada, acrescento eu) mas fazendo acreditar que é possível – creio mesmo que acima de possível, desejável – que o decurso normal das vidas deva prosseguir (aproveitando – e simbolizado – na ajuda exterior e tácita de Ariadne).

Excelente trabalho de actores, com relevo para o próprio Moretti e para a sua linda esposa no filme (Laura Morante), mas o simples benefício da dúvida para o registo de Giuseppe Sanfelica (o filho Andrea) por via de uma exacerbada demonstração de falta de entusiasmo. Muito mais que aquilo que o papel lhe pedia.

«La Stanza del Figlio» debruça-se pois, de forma sensível e inteligente, sobre uma das questões mais dolorosas relativas às adversidades e complexidades do homem e da família. A não perder.

by Joaquim Lucas

Filme: "A Proposta"

"Apesar da sua imensa riqueza e influência na sociedade de Boston, em 1935. Arthur Barret não pode dar à sua esposa, Eleanor o que ela mais deseja na vida - um filho. Desesperados e sem alternativas acabam por recorrer a uma solução impensável para os tempos em que vivem - um filho por encomenda....Roger Martin, um jovem estudante de Direito, aceita com algum receio a invulgar proposta de gerar esta criança, mas tudo se complica quando se sente fortemente atraído por Eleanor. Para evitar o escândalo ela procura refúgio no Padre Michael Mckinnon que também se apaixona por ela conduzindo-as a inesperadas consequências...."

Quanto mais se deseja infringir as leis da Natureza, mais complicações surgem.
O verdadeiro pecador é aquele que conhece Deus, o Padre é apenas aquele que pretende alcançá-lo.
Não podemos passar por cima de barreiras, de sentimentos que nos ultrapassam. Não conseguimos ignorar o que o nosso verdadeiro coração sente.

O filme gira em torno de uma história simples mas cheia de simbolismo.
O desejo de Eleanor querer ter um filho, conduziu-a à dor, à tristeza e à morte. Eleanor envolveu-se com um estranho - Roger - que preenche os requisitos de uma simples entrevista de "fecundação". Roger apaixona-se individamente por Eleanor. Como a sua amada é casada, e Roger é apenas o meio que encontraram para conhecer o verdadeiro prazer da concepção e gravidez, Arthur Barret tenta que este se afaste dela. E inesperadamente Roger conhece a morte pelo veneno de uma criada.
Eleanor, perde o filho de Roger e encontra a paz e o amor nas mãos de um padre - Michael Mckinnon. Com o padre concebe dois gémeos saudáveis, provindos de um amor proibido. Ainda assim como a felicidade não é de todo univoca, Eleanor falece no parto.
Michael percebe então que ao pecar com Eleanor, conhece finalmente o verdadeiro Deus.

Um filme que recomendo a quem espera alcançar fins sem medir bem os meios.
Não podemos querer tudo de uma vez, porque o desfecho será trágico.